Deus usou
palavras para comunicar sua vontade aos homens. Ele deu a algumas
pessoas a tarefa especial de registrar suas palavras, que nós temos hoje
no conjunto de livros que conhecemos como a Bíblia ou as Escrituras.
Vivemos numa época privilegiada na qual estes textos transmitidos de
Deus aos homens são facilmente acessíveis em qualquer idioma escrito.
Quase todos nós temos oportunidades de adquirir uma Bíblia com pouco ou
nenhum custo. Uma vez que adquirimos uma Bíblia, o que faremos com ela?
A coisa mais óbvia é ler o conteúdo, e a leitura bíblica deve fazer
parte do nosso dia a dia. Mas além da leitura, é importante estudar a Bíblia,
procurando entendimento dos livros, analisando a estrutura dos textos,
procurando compreender as mensagens comunicadas ao leitor. Neste artigo,
vamos focalizar sete dicas práticas para ajudar no estudo de textos
bíblicos. Usaremos a primeira epístola de Pedro como exemplo, mas as
mesmas dicas servem para o estudo de outros livros ou textos menores
(capítulos, parágrafos, etc.).
1ª DICA: Ler o texto várias vezes.
Antes de começar a analisar detalhadamente, leia o texto várias vezes.
Comece com a Bíblia que você usa no dia a dia. Se tiver acesso a outras
versões das Escrituras, leia o mesmo texto nestas outras versões. Pela
leitura repetida, você vai se familiarizar com o texto e vai desenvolver
uma noção geral dos pontos principais desenvolvidos. Quando se usa
várias versões, traduções um pouco diferentes podem esclarecer o sentido
de algumas palavras ou expressões difíceis.
2ª DICA: Identificar assuntos e palavras chaves. Em cada leitura, você perceberá com mais facilidade as palavras repetidas e os assuntos frisados pelo autor. Em 1 Pedro, perceberá a ênfase na relação de pessoas santificadas com o Senhor, o contraste entre coisas temporárias e coisas eternas, encorajamento para pessoas que sofrem
injustiças por causa da sua fé, etc. Ajuda anotar temas e palavras
importantes, talvez em um caderno, para facilitar a compreensão das
mensagens principais do texto.
3ª DICA:
Analisar a organização do texto. Agora, entramos na fase de estudar
realmente o texto. As etapas anteriores serviam como preparos, mas ainda
não entramos no estudo mais detalhado do conteúdo. Na análise da
organização, é fundamental prestar atenção na gramática, especialmente
na pontuação do texto. Normalmente nós falamos e escrevemos em frases
relativamente pequenas, talvez com uma média de menos de 30 palavras
cada. Mas muitos textos bíblicos têm frases bem maiores, e não vamos
entendê-los se não observar estas frases e sua estrutura. Na maioria dos
casos, podemos ver a separação das frases pelos pontos finais (.), pontos de interrogação
(?) ou de exclamação (!). A pontuação correta faz parte do trabalho dos
tradutores, e geralmente eles tem feito bem nisso. Por esta razão, pode
ter variações na pontuação de uma versão para outra, que podem nos dar
motivos para pesquisar mais e entender estas diferenças.
É importante
notar que as divisões em capítulos e versículos servem principalmente
para facilitar a localização dos trechos, e não para mostrar bem a
estrutura. Estas convenções são o trabalho de homens para ajudar, não
são divisões inspiradas por Deus! Também deve observar que quase todos
os subtítulos em negrito foram acrescentados pelos redatores das
versões, e não fazem parte do texto original. Podem ajudar a entender a
estrutura, mas também podem refletir as tendências teológicas dos
redatores.
Olhando para o
conteúdo, e não para as divisões dos versículos, poderia analisar a
estrutura básica de 1 Pedro capítulo 1 desta forma:
● Saudação (1:1-2)
○ Pedro escreveu esta epístola
○ Escreveu para servos de Deus espalhados em regiões que ele identifica
● A esperança em Cristo (1:3-12)
○ Em Jesus, Deus mostrou a misericórdia para nos dar esperança (1:3-5)
○ Pela fé incorruptível, podemos suportar as aflições temporárias (1:6-9)
○ Profetas e anjos queriam compreender as coisas que Deus revelou para nós (1:10-12)
● O procedimento de peregrinos santificados (1:13-21)
○ Nosso entendimento do plano de Deus é a base da nossa esperança (1:13)
○ Os filhos de Deus devem imitar sua santidade (1:14-16)
○ Esta vida se baseia no sangue de Cristo, e não nas coisas passageiras deste mundo (1:17-21)
● A palavra permanente e eterna deve nos levar a amar de verdade (1:22-25)
4ª DICA:
Compreender as palavras usadas. Depois de enxergar a estrutura básica
do trecho, é preciso compreender este texto. Obviamente, esta
compreensão depende do vocabulário usado. Muitas das melhores traduções
bíblicas empregam palavras que bem refletem o sentido das palavras
originais que traduzem, mas algumas destas palavras não fazem parte do
vocabulário cotidiano de muitos de nós. Se você não costuma ouvir e
entender palavras como galardão, propiciação e imarcescível, precisará
de um dicionário no seu estudo das Escrituras.
Para isso, há
várias opções. Na maioria dos casos, um dicionário comum resolverá as
dúvidas. Mas precisa lembrar que estes dicionários apresentam os
sentidos das palavras no contexto atual, e não necessariamente seu
significado no contexto bíblico. Por exemplo, as primeiras duas
definições da palavra igreja no dicionário Aurélio Século XXI são
“Templo cristão” e “Autoridade eclesiástico”, mas estes sentidos
modernos da palavra não representam o seu significado nas Escrituras. No
mesmo dicionário, os principais sentidos dados à palavra batismovem das
tradições católicas e de usos derivados da palavra, e não do sentido da
palavra grega assim traduzida no Novo Testamento. Um dicionário comum
ajuda em muitos casos, mas nem sempre!
Para estudantes
que querem mais clareza, há dicionários bíblicos que procuram
apresentar melhor os sentidos das palavras bíblicas no seu contexto
original. Algumas Bíblias incluem pequenos dicionários deste tipo entre
os auxílios para o leitor. Alguns destes dicionários se baseiam nos
idiomas originais usados para escrever a Bíblia (o Novo Testamento foi
escrito no grego, e quase todo o Antigo Testamento, em hebraico). O
Dicionário Vine é um bom exemplo deste tipo de auxílio. Alguns
dicionários bíblicos são escritos num estilo enciclopédico, ou seja,
apresentam artigos de explicação sobre os temas abordados, e não somente
definições técnicas das palavras em si.
Estudantes
mais avançados podem utilizar ainda outros recursos, como textos gregos e
hebraicos e léxicos (um tipo de dicionário das palavras dos idiomas
originais). Mas o uso correto destes auxílios exige algum entendimento
das línguas originais, entendimento que poucos têm. Estudo dos idiomas
usados para escrever a Bíblia pode esclarecer algumas coisas, mas não
devemos imaginar que tal conhecimento seja necessário para compreender a
vontade de Deus. Com um pouco de esforço, é possível encontrar e
compreender traduções que transmitem bem a mensagem das Escrituras.
5ª DICA:
Compreender as frases completas. Quando entendemos todas as palavras
numa frase, a compreensão do texto se torna mais fácil. Para entender
uma frase, precisamos observar os elementos básicos da gramática
(fazemos isso constantemente, mesmo sem saber como identificar por nome a
função de cada palavra). É importante observar quem fala e para quem ou
sobre o que. Devemos prestar atenção no tempo dos verbos, pois é muito
diferente dizer “ela veio” ou “ela virá”.
6ª DICA: Entender
o conjunto de frases. Quando escrevemos, usamos palavras para fazer
frases e juntamos algumas frases para fazer parágrafos. Normalmente um
parágrafo explica um certo fato, tema ou argumento, juntando vários
pedaços de informação. É comum um parágrafo levar a outro, assim
desenvolvendo um assunto maior e mais complexo. Às vezes, estes
parágrafos são bem organizados e fáceis de seguir. Em outros casos,
precisamos ler várias vezes para compreender bem o ponto. Cada escritor
tem seu estilo, e alguns são mais fáceis do que outros. Não é diferente
na Bíblia. Encontramos alguns trechos bem organizados, e outros onde o
autor se desvia de um ponto e insere outro assunto antes de voltar ao
ponto original. O Espírito Santo, ao revelar as Escrituras, escolheu
autores com características e estilos diferentes para comunicar a sua
mensagem a leitores com diversos atributos. São motivos como estes que
nos motivam a dedicar as horas necessárias para realmente estudar e
buscar entendimento dos textos bíblicos. E cada minuto de estudo
cuidadoso será bem investido!
Considere, como
exemplo, 1 Pedro 2:11-17. Antes de chegar a este trecho, observamos a
ênfase na santidade dos servos de Deus e a posição deles como o povo
especial de Deus. Neste trecho, Pedro explica um tema já introduzido em
1:17 – o procedimento do santo povo de Deus durante o tempo aqui nesta
vida terrestre. Os cristãos são cidadãos do céu, mas residentes deste
mundo, e assim devem se ver como peregrinos e forasteiros. Como deve ser
o comportamento destes peregrinos? Nestes versículos, ele responde a
esta questão, enfatizando a pureza (2:11), o bom exemplo diante dos
outros (2:12), o respeito para com as autoridades governamentais
(2:13-14) e o tratamento de todos (2:15-17). Cada frase tem seu lugar no
parágrafo, e o parágrafo faz parte do contexto maior da epístola toda.
7ª DICA:
Procurar entender o texto no seu contexto maior. É fundamental entender
palavras, frases e parágrafos, mas o estudo não termina aqui. Quase
todos os livros da Bíblia tratam de diversos assuntos, e assim os
parágrafos se enquadram como partes do todo em cada livro. No exemplo da
6ª DICA, ele começou uma parte do livro em 1 Pedro 2:17 quando falou
sobre o comportamento dos cristãos no mundo. Os parágrafos subsequentes,
porém, continuam com aspectos mais detalhados deste tema, falando sobre
o procedimento de servos, esposas, maridos, etc. A relação proposital
entre estes trechos se torna evidente pelo uso de palavras como
porquanto (2:21), porque (2:25), igualmente (3:1,7), finalmente (3:8),
etc.
Ainda há mais
um passo importante na consideração do contexto. Além do próprio livro,
há outros livros da Bíblia que podem incluir informações relevantes.
Quando consideramos as Escrituras como um todo, percebemos a importância
de interpretar cada trecho de acordo com o resto da Bíblia. Pedro mesmo
comentou sobre este fato quando comparou seus ensinamentos com os de
Paulo (2 Pedro 3:15-16). Um trecho complementa o outro e facilita nossa
compreensão.
CONCLUSÃO
Não é a minha
intenção neste pequeno artigo apresentar um curso completo sobre análise
de textos bíblicos. Com certeza, outros poderiam acrescentar outras
sugestões valiosas. O propósito deste artigo é incentivar o estudo
cuidadoso no qual cada leitor busca entender o que Deus tem revelado.
Vamos cultivar hábitos de ler, estudar, meditar e aplicar as mensagens
das Escrituras!
–por Dennis Allan
http://www.estudosdabiblia.net/